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O Corpo Negro

É provável que Kirchhoff tenha se interessado pelo problema do equilíbrio da radiação com a matéria para dar base teórica aos resultados obtidos empiricamente no estudo dos espectros dos elementos. De fato, como veremos, um dos primeiros resultados gerais que obtém é que no equilíbrio, um corpo não emite uma freqüência que ele não possa absorver. Mas, vamos por partes. O grande trabalho de Kirchhoff Sobre a relação entre o poder emissivo e o poder absortivo de corpos para o calor e a luz contém resultados importantíssimos. Tratava-se de, através da termodinâmica, caracterizar a radiação de equilíbrio. Como ele estava partindo do nada, tinha de fazer tudo. Primeiro, identificar as quantidades relevantes. Dado um corpo em equilíbrio com a radiação, tracemos um cone a partir do corpo, abarcando um ângulo sólido $d\Omega$.A energia que, por segundo, atravessa uma seção reta desse cone, será escrita $K d\Omega$. Se selecionarmos agora aquela energia cuja freqüência está entre $\nu$ e $\nu + d\nu$, a energia será $K_\nu d\Omega$, por unidade de intervalo de freqüência. Então, argumentos elementares mostram que a densidade espectral de energia eletromagnética (energia por unidade de volume, com freqüência entre $\nu$ e $\nu + d\nu$, por unidade de intervalo de freqüência.Ufa!) vale
\begin{displaymath}
u_\nu = \frac{8\pi}{c}K_\nu
\end{displaymath} (1)

e o resultado é o dobro do que o leitor esperava porque estamos considerando os dois estados de polarização das ondas eletromagnéticas.

A absortividade do corpo é definida como sendo a fração da energia que incide sobre o corpo que é transformada em calor. Denotada por $A_\nu$, temos, então, que a quantidade de energia que, por unidade de tempo, etc., é transformada em calor é $A_\nu K_\nu (T)$, pois que estas quantidades dependem da temperatura absoluta $T$. No equilíbrio, essa energia absorvida pelo corpo deve ser reposta. Seja $E_\nu$ a emissividade do corpo, isto é, a quantidade de energia emitida pelo corpo nos mesmos $d\Omega$, $\nu$, etc. Então, devemos ter $E_\nu = A_\nu K_\nu(T)$, ou

\begin{displaymath}
\frac{E_\nu}{A_\nu} = K_\nu(T) = \frac{c}{8\pi}u_\nu(T)
\end{displaymath} (2)

A seguir Kirchoff introduziu o conceito de corpo negro, um corpo que transforma em calor toda a radiação que incide sobre ele. O melhor modelo de corpo negro é uma cavidade onde a luz entra por um orifício, mas só encontra o caminho de saída depois de um número colossal de reflexões nas paredes. Em cada reflexão um pouco de sua energia é absorvida. No limite, toda é absorvida. Pois bem, usando argumentos típicos da termodinâmica da época, Kirchhoff mostrou que, para um corpo negro, a densidade de energia $u_\nu(T)$ era uma função universal, independendo de como o corpo negro era construído. Segue que, para qualquer corpo em equilíbrio com a radiação em uma cavidade, $\frac{E_\nu}{A_\nu}$ é uma função universal. A emissividade para uma dada freqüência e uma dada temperatura pode variar, no equilíbrio, de corpo para corpo, mas a razão $\frac{E_\nu}{A_\nu}$ independe do corpo. Em particular, para o corpo negro, $A_\nu=1$, de maneira que temos que a emissividade de um corpo negro independe do corpo. A aplicação que mais terá interessado a Kirchhoff será, creio eu, a seguinte: suponhamos que, para um determinado corpo (uma certa massa de gás, por exemplo), a absortividade para uma determinada freqüência $\nu$ seja nula. Então, como a razão $\frac{E_\nu}{A_\nu}$ independe do corpo, teremos que, para esse gás, $E_\nu=0$. Ou seja, um corpo não emite uma freqüência que ele não absorva (no equilíbrio). Este resultado, anteriormente obtido empiricamente por Kirchhoff, encontrava aqui sua justificação. É claro que, na descrição quântica da matéria, este resultado é trivial e mais geral, não se restringindo ao equilíbrio. Mas que pudesse ser descoberto por Kirchhoff em meados do século XIX é realmente extraordinário.


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Henrique Fleming 2002-04-13