A demonstração de Kirchhoff é um dos grandes monumentos da física clássica. Contudo, sob olhares modernos, parece impossível que se pudesse efetivamente demonstrá-lo naquela época. É claro que Kirchhoff, mercê de sua familiaridade com os fenômenos em questão, sabia onde devia chegar, e este ``mapa mental'' guiou-o em todas as encruzilhadas perigosas. É assim que se faz física, afinal!
Uma magnífica exposição do trabalho de Kirchhoff, a melhor que conheço, tanto pelo aspecto crítico quanto pela sensibilidade histórica que demonstra, é a de Lorentz[7]. Uma crítica adicional, que escapa ao grande Lorentz, é relativa ao uso exclusivo de raios de luz. De fato, é bem conhecido que essa descrição é particular demais e tem efeitos termodinâmicos que não surgem se a descrição geral, por ondas, for utilizada. Pois se a luz, e toda a radiação considerada, segue trajetórias que são os raios, aplica-se à propagação o teorema de Liouville sobre o volume do espaço de fase. Neste caso pode-se, por exemplo, demonstrar que não se pode obter, com lentes e espelhos, e usando a luz do Sol, temperaturas maiores do que a da fonte[8]. Este resultado era, aparentemente, conhecido por Clausius[7]. Não se trata, obviamente, de um resultado geral, mas de uma conseqüência do uso de raios.
Enfim, demonstrada a existência de uma função universal para a distribuição espectral da radiação em equilíbrio térmico com a matéria, abria-se o problema de determiná-la, experimentalmente, mas também de obter sua expressão analítica, trabalho de físicos teóricos. Ou melhor, trabalhos teóricos de físicos, pois que, naquela época, não havia físicos exclusivamente teóricos, ou eram muito raros4.