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O Campo Uniforme

Nada supera em importância, na gênese da mecânica Newtoniana, o problema da queda livre, seja da maçã, seja da Lua, em seu movimento em redor da Terra. No entanto raramente se vê, num curso de mecânica quântica, esses problemas tratados, nem mesmo no caso simplificado de um campo gravitacional constante. Nesta secção vamos resolver o problema do movimento de um ponto material sob a ação de um campo uniforme: a queda da maçã, se a altura da queda não for muito grande. O método de Laplace para resolver a equação diferencial obtida será essencial. Uma partícula de massa $m$ (a ``maçã'')se move sob a ação de um campo uniforme ao longo do eixo $x$, o que lhe dá uma energia potencial

\begin{displaymath}
U(x)=-Fx \; .
\end{displaymath}

Logo, age sobre ela uma força na direção $x$, de módulo $F$. O movimento da partícula é também restrito (por escolha das condições iniciais) ao eixo $x$. A equação de Schrödinger para os estados estacionários desse sistema é:
\begin{displaymath}
-\frac{\hbar^2}{2m}\frac{d^2\psi}{dx^2}-Fx\psi=E\psi
\end{displaymath} (22)

ou
\begin{displaymath}
\frac{d^2\psi}{dx^2}+\frac{2m}{\hbar^2}\left(Fx+E\right)\psi=0
\end{displaymath} (23)

É conveniente introduzir a variável adimensional
\begin{displaymath}
\xi = \left(x+\frac{E}{F}\right)\left(\frac{2mF}{\hbar^2}\right)^{\frac{1}{3}}
\end{displaymath} (24)

Temos então

\begin{displaymath}
\frac{d^2\psi}{dx^2}=\left(\frac{2mF}{\hbar^2}\right)^{\frac{2}{3}}
\frac{d^2\psi}{d\xi^2}
\end{displaymath}

e, após algumas substituições simples,
\begin{displaymath}
\frac{d^2\psi}{d\xi^2}+\xi\psi=0 \; ,
\end{displaymath} (25)

como nova equação de Schrödinger. Trata-se de uma equação de Laplace. Na notação convencional, temos
\begin{displaymath}
(a_0+b_0\xi)y(\xi)+(a_1+b_1\xi)\frac{dy}{d\xi}+(a_2+b_2\xi)\frac{d^2y}{d\xi^2}=0
\end{displaymath} (26)

à qual o método que vimos acima pode ser aplicado. Contudo, para aproveitar os estudos prévios sobre uma função que irá aparecer no problema (a função de Airy), vamos estudar não a equação acima, mas uma estreitamente ligada a ela,
\begin{displaymath}
\frac{d^2y}{d\xi^2}-\xi y(\xi)=0
\end{displaymath} (27)

que é muito conhecida na física-matemática. Se $\Phi(\xi)$ for solução desta equação, $\Phi(-\xi)$ será solução da Eq.(25). A Eq.(35) é escrita, à maneira de Laplace, assim:
\begin{displaymath}
(a_0+b_0\xi)y(\xi)+(a_1+b_1\xi)\frac{dy}{d\xi}+(a_2+b_2\xi)\frac{d^2y}{d\xi^2}=0
\end{displaymath} (28)

com $a_0=0$, $b_0=-1$, $a_1=b_1=0$, $b_2=0$, $a_2=1$. Segue que

\begin{eqnarray*}
P(z) & = & z^2 \\
Q(z) & = & -1
\end{eqnarray*}



e, como $\frac{P}{Q}=-z^2$,
\begin{displaymath}
\exp{\int\frac{P}{Q}dz}=\exp{-\frac{z^3}{3}}
\end{displaymath} (29)

e então
\begin{displaymath}
y(\xi)=\int_{C}\exp\left({\xi z-\frac{z^3}{3}}\right)dz
\end{displaymath} (30)

Como vimos, o contorno de integração deve ser escolhido de maneira que a função
\begin{displaymath}
V(z)=ZQ=\exp{(\xi z-\frac{z^3}{3})}
\end{displaymath} (31)

tenha valores idênticos nos dois extremos. Neste caso tomaremos um contorno que vai ao infinito, sendo os valores de $V(z)$ nos dois extremos iguais a zero. Seja $z=u+iv$. Então

\begin{eqnarray*}
\exp{-\frac{z^3}{3}} & = & \exp{-\frac{1}{3}(u+iv)^3} \\
& ...
...u^2-3v^2\right)}\exp{\left(
-\frac{i}{3}(3u^2v+v^3)\right)}\\
\end{eqnarray*}



O contorno deve ser tal que a exponencial leve o integrando a zero nos dois extremos. Para isso, devemos ter:

\begin{eqnarray*}
u & > & 0 \\
& e & \\
u^2-3v^2 & > & 0 \\
& ou & \\
u & < & 0 \\
& e & \\
u^2-3v^2 & < & 0
\end{eqnarray*}



Consideremos primeiro o caso $u>0$. Devemos então ter

\begin{displaymath}
(u-\sqrt{3}v)(u+\sqrt{3}v)>0
\end{displaymath}

Esta é uma região do plano $(u,v)$ delimitada pelas retas

\begin{displaymath}
v=\frac{1}{\sqrt{3}}u
\end{displaymath}

e

\begin{displaymath}
v=-\frac{1}{\sqrt{3}}u
\end{displaymath}

Na figura abaixo estão representadas essas duas retas. Sobre elas temos
$u^2-3v^2=0$. Uma pequena reflexão com ajuda da figura convencerá o leitor de que a região entre as retas é aquela em que $u^2-3v^2>0$. A região ${\bf
{\Large I}}$ é aquela em que temos $u^2-3v^2>0$ e $u>0$. A região simétrica à tracejada em relação ao eixo $v$, isto é, a região ${\bf {\Large II}}$, é aquela em que temos $u^2-3v^2>0$ e $u<0$. Logo, a região em que $u^2-3v^2<0$ e $u<0$ é a complementar dessa região ${\bf {\Large II}}$ no semiplano que contém o eixo real negativo, e é constituída pelas regiões ${\bf {\Large III}}$ e ${\bf {\Large IV}}$. Essas regiões estendem-se ao infinito, embora isto não seja (nem possa ser!) representado na figura. Em princípio o contorno de integração pode começar em qualquer das regiões tracejadas, e terminar em qualquer outra tracejada.

\begin{pspicture}(0,0)(10,6)
\psline[linewidth=2pt]{->}(0,3)(10,3)
\psline[lin...
...gray]{->}(2,0)(3,1.5)(5.7,3)(9.3,4)
\uput[0](7.5,4){$\bf C_2$}
\end{pspicture}


Fig.1
Regiões permitidas
Na figura estão indicados, em cinza, três contornos possíveis: $C$, $C_1$ e $C_2$. Desses, $C_2$ é problemático, pois se estende na região em que a variável $z$ atinge valores reais e positivos. Então o termo

\begin{displaymath}
e^{xz}
\end{displaymath}

que aparece na expressão de $y(\xi)$, pode, para $x$ grande e positivo, complicar a convergência da integral. Por isso tomamos os contornos que começam na região ${\bf {\Large IV}}$ e terminam na ${\bf {\Large III}}$. Em particular, o caminho $C$ pode ser ao longo do eixo imaginário. Então, tomando $z=iv$,
\begin{displaymath}
y(\xi)=\int_{-\infty}^{\infty}\exp{\left(ixv-\frac{(iv)^3}{...
...int_{-\infty}^{\infty}dv\exp{\left(ixv+i\frac{v^3}{3}\right)}
\end{displaymath} (32)

ou
\begin{displaymath}
y(\xi)=i\int_{-\infty}^{0}dv\exp{\left(ixv+i\frac{v^3}{3}\r...
...
+ i\int_{0}^{\infty}dv\exp{\left(ixv+i\frac{v^3}{3}\right)}
\end{displaymath} (33)

ou ainda

\begin{displaymath}
y(\xi)=-i\int_{\infty}^{0}dv\exp{\left(-ixv-i\frac{v^3}{3}\...
...}+
i\int_{0}^{\infty}dv\exp{\left(ixv+i\frac{v^3}{3}\right)}
\end{displaymath}

e, finalmente,
\begin{displaymath}
y(\xi)=i\int_{0}^{\infty}dv\cos{\left(xv+\frac{v^3}{3}\right)}
\end{displaymath} (34)

A função de Airy, bem conhecida na literatura matemática, é definida por
\begin{displaymath}
\Phi(x)= \frac{1}{\sqrt{\pi}}\int_{0}^{\infty}dv\cos{\left(
\frac{v^3}{3}+xv\right)}\;.
\end{displaymath} (35)

Logo,
\begin{displaymath}
\psi(\xi)=K\Phi(-\xi)
\end{displaymath} (36)



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Henrique Fleming 2001-11-22