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O momento de inércia

Considere um corpo rígido: um sistema de partículas cujas distâncias de umas as outras permanecem fixas. Seja $m$ a massa de uma partícula genérica, e $\vec{v}$ a sua velocidade. O momento total do corpo rígido será então
\begin{displaymath}\
\sum m\vec{v}
\end{displaymath} (20)

A notação usual seria: $m_i$ é a massa da i-ésima partícula, $\vec{v}_i$ sua velocidade, e o momento total, $\sum_im_i\vec{v}_i$. Contudo, queremos economizar índices, por isso omitimos aquele que identificaria cada partícula. A convenção é esta: uma letra minúscula representa quantidades de uma partícula; letras maiúsculas representam quantidades comuns a todas as partículas. Um resultado fundamental da mecânica é que a velocidade instantânea de cada ponto do corpo rígido, $\vec{v}$, pode ser decomposta assim:
\begin{displaymath}\
\vec{v}=\vec{V}+\vec{\Omega}\times \vec{r}
\end{displaymath} (21)

onde $\vec{V}$ é uma velocidade comum a todas as partículas, e $\vec{\Omega}$ é a velocidade angular instantânea ( também a mesma para todas as partículas). Naturalmente, $\vec{r}$ é o vetor de posição de cada partícula.1 A energia cinética do corpo rígido pode então ser escrita:
\begin{displaymath}\
T=\sum\frac{m}{2}\vec{v}^2=\sum\frac{m}{2}(\vec{V}+\vec{\Omega}
\times\vec{r})^2
\end{displaymath} (22)

onde, como é usual, o quadrado de um vetor é o produto escalar dele consigo mesmo. Calculando este produto escalar, obtemos
\begin{displaymath}\
(\vec{V}+\vec{\Omega}\times\vec{r}).(\vec{V}+\vec{\Omega}...
...r})+
(\vec{\Omega}\times\vec{r}).(\vec{\Omega}\times\vec{r})
\end{displaymath} (23)

O segundo termo do segundo membro aparece, na energia cinética, sob a forma
\begin{displaymath}\
\sum m\vec{V}.(\vec{\Omega}\times\vec{r})=(\vec{V}\times\vec{\Omega})\; .
\sum m\vec{r}
\end{displaymath} (24)

Mas o termo $\sum m\vec{r}$ pode ser posto igual a zero, se tomarmos a origem no centro de massa do corpo. De fato, sejam $M$ a massa total do corpo, e $\vec{R}$ a posição de seu centro de massa. Então
\begin{displaymath}\
\vec{R}=\frac{\sum m\vec{r}}{M}
\end{displaymath} (25)

e, se o centro de massa está na origem, $\vec{R}=0$, o mesmo valendo, então, para $\sum m\vec{r}$. A energia cinética é então escrita
\begin{displaymath}\
T=\frac{M}{2}\vec{V}^2 + \sum \frac{m}{2}(\vec{\Omega}\times\vec{r}).
(\vec{\Omega}\times\vec{r})
\end{displaymath} (26)

O último termo pode ser reescrito assim:
$\displaystyle (\vec{\Omega}\times\vec{r}).(\vec{\Omega}\times\vec{r})$ $\textstyle =$ $\displaystyle \epsilon_{ijk}\Omega_jx_k\epsilon_{ilm}\Omega_lx_m$ (27)
  $\textstyle =$ $\displaystyle \epsilon_{ijk}\epsilon_{ilm}\Omega_j\Omega_lx_kx_m$ (28)
  $\textstyle =$ $\displaystyle (\delta_{jl}\delta_{km}-\delta_{kl}\delta_{jm})
\Omega_j\Omega_l x_k x_m$ (29)
  $\textstyle =$ $\displaystyle \Omega_i \Omega_i x_j x_j - \Omega_i x_i \Omega_j x_j$ (30)
  $\textstyle =$ $\displaystyle \Omega_i\Omega_j(\delta_{ij}r^2-x_i x_j)$ (31)

o que dá, para a energia cinética,
\begin{displaymath}\
T=\frac{M}{2}\vec{V}^2+\frac{1}{2}\sum m(\delta_{ij}r^2-x_i x_j)
\Omega_i\Omega_j
\end{displaymath} (32)

e, se definirmos as componentes do momento de inércia como
\begin{displaymath}\
I_{ij}=\sum m(\delta_{ij}r^2-x_i x_j)
\end{displaymath} (33)

teremos
\begin{displaymath}\
T=\frac{M}{2}\vec{V}^2+ \frac{1}{2}I_{ij}\Omega_i\Omega_j
\end{displaymath} (34)

O momento de inércia é construído com as componentes do vetor $\vec{r}$, mas não é um vetor. Suas componentes contêm produtos das componentes de $\vec{r}$. Uma quantidade desse tipo é dita um tensor. Fala-se, então, no tensor momento de inércia. Vamos obter agora a maneira pela qual as componentes do tensor momento de inérica se transformam por mudança de base. A energia cinética é um invariante, pois não é alterada por uma mudança de base. Ora, a quantidade
\begin{displaymath}\
I_{ij}\Omega_i\Omega_j
\end{displaymath} (35)

comparece na expressão da energia cinética, sendo, também, um invariante. Logo, se mudarmos de base, teremos
\begin{displaymath}\
I_{ij}\Omega_i\Omega_j=I_{lm}'\Omega_l'\Omega_m'
\end{displaymath} (36)

onde as quantidades do segundo membro são componentes em relação à segunda base. As propriedades de transformação das componentes de $\vec{\Omega}$ são conhecidas, pois trata-se de um vetor. Então,

\begin{eqnarray*}
\Omega_i & = & a_{li}\Omega_l'\\
\Omega_j & = & a_{jm}\Omega_m'
\end{eqnarray*}



que, levadas à Eq.(36), dão
\begin{displaymath}\
I_{ij}a_{li}a_{jm}\Omega_l'\Omega_m'=
I_{lm}\Omega_l'\Omega_m'
\end{displaymath} (37)

Comparando, segue que
\begin{displaymath}\
I_{lm}'=a_{li}a_{jm}I_{ij}
\end{displaymath} (38)

que dá a fórmula de transformação das componentes do tensor de inércia por mudança de base. Inspirados nesse resultado, definimos: tensor de segunda ordem é um conjunto de pares ($S$ , $t_{ij}$), onde $S$ é uma base e $t_{ij}$ são números, sendo que esses números se relacionam aos de outra base pelas relações (ditas fórmulas de transformação )
\begin{displaymath}\
t_{ij}'=a_{il}a_{jm}t_{lm}
\end{displaymath} (39)

sendo os $a_{il}$ os mesmos coeficientes que aparecem na fórmula de transformação das componentes de um vetor. Isto permite que se diga que um tensor de segunda ordem transforma-se como o produto de dois vetores. Chegamos às propriedades de transformação do tensor de inércia a partir do fato de que $I_{ij}x_ix_j$ devia ser um invariante. Vejamos agora um outro tensor que pode ser descoberto dessa forma: sejam $P$, de coordenadas $x_i$ e $P+dP$, de coordenadas $x_i + dx_i$ dois pontos muito próximos. O quadrado da distância entre eles é dado em termos das coordenadas por
\begin{displaymath}\
ds^2 = g_{ij}dx_i dx_j
\end{displaymath} (40)

onde $g_{ij}$ são coeficientes que dependem da base considerada. Como $ds^2$ é um invariante (a distância entre dois pontos não depende da base considerada) concluímos, pela mesma seqüência de argumentos, que $g_{ij}$ são as componentes de um tensor de segunda ordem. Este tensor, um dos mais importantes, é denominado tensor métrico.
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Henrique Fleming 2002-04-15